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Nesta terça-feira, 30, Diretor do Inpe desmente Bolsonaro, sobre indicadores de desmatamento

Cultura&Realidade - 30 de Julho de 2019

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Amazônia corre o risco de se converter em uma savana degradada - Foto: Ilustração

Não deve ser feita uma comparação do trabalho do Inpe com o da Nasa, que possui um orçamento anual superior a 20 bilhões de dólares. Ainda assim, o instituto brasileiro tem motivos de orgulho. Com apenas 40,6 milhões de reais para investir no ano passado, é uma referência internacional em pesquisas de ciências espaciais e atmosféricas, meteorologia, observação por imagens de satélite e estudos de mudanças climáticas. A produção científica é robusta. Desde 1972, acumula mais de 9 mil citações na plataforma Scopus, uma das maiores bases científicas do mundo. De todos os institutos federais, só perde em volume de menções para a Embrapa e para a Fundação Oswaldo Cruz.

Na dianteira da corrida espacial até aquele momento, a União Soviética havia lançado ao espaço o satélite Sputnik e levado o primeiro homem à órbita da Terra, Yuri Gagarin, quando os Estados Unidos anunciaram, em maio de 1961, o Programa Apollo. À época, o presidente John Kennedy prometeu que, até o fim da década, um astronauta americano pisaria em solo lunar, profecia ao cabo cumprida. Entusiasmado com as conquistas na área, Jânio Quadros assinou em agosto daquele mesmo ano o decreto que criaria o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, embrião do que viria a ser o Inpe, dando início às atividades espaciais no Brasil.

A despeito do inegável êxito, o trabalho desenvolvido pelo Inpe tem sido alvo de recorrentes ataques de Jair Bolsonaro e sua equipe. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não se cansa de classificar o monitoramento da entidade como impreciso. Salles chegou a anunciar a contratação de uma empresa privada para executar o mesmo trabalho desenvolvido pelo Inpe. Agora, o próprio Bolsonaro resolveu entrar na arenga. Após o instituto revelar que o desmatamento da Floresta Amazônica atingiu 920 quilômetros quadrados em junho, alta de 88% em relação ao mesmo mês do ano anterior, o ex-capitão acusou o diretor do órgão, Ricardo Magnus Osório Galvão, de estar “a serviço de alguma ONG” e divulgar dados falaciosos. “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”, afirmou, na sexta-feira 19, a correspondentes estrangeiros.

Segundo Carlos Nobre, um dos mais prestigiados climatologistas do mundo, Bolsonaro comete uma patuscada. “O Inpe tem o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo”, diz o pesquisador, que trabalhou por 35 anos na instituição e hoje atua no Instituto de Estudos Avançados da USP. Doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology, nos EUA, e um dos autores dos relatórios sobre aquecimento global do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, iniciativa agraciada com o Nobel da Paz em 2007, Nobre alerta para o risco de a Amazônia se converter em uma savana degradada. O ponto de ruptura, afirma, está próximo. “Precisamos avançar para uma política de desmatamento zero a curto prazo. O ideal seria atingir esse objetivo até 2030.”

CartaCapital: Há tempos Bolsonaro desqualifica o trabalho de monitoramento da Amazônia desenvolvido pelo Inpe, no qual o senhor atuou como pesquisador por mais de 30 anos. O que está por trás desses ataques?

Carlos Nobre: Não sei, não milito no mundo político. Mas posso garantir que as críticas são infundadas. Hoje existem numerosas instituições, no Brasil e no mundo, que monitoram alterações da cobertura vegetal por meio de satélites. Mas o pioneiro foi o Inpe. Em operação há 30 anos, o Prodes faz um mapeamento superdetalhado de onde houve alterações na cobertura vegetal. O sistema é continuamente aperfeiçoado e tem uma menor margem de erro, entre 5% e 6%. Nenhum outro método tem desempenho melhor. Qual era a limitação do Prodes? Os dados só eram compilados uma vez por ano. Em 2004, quando o desmatamento teve um pico altíssimo, o governo federal solicitou ao Inpe um novo sistema, capaz de subsidiar melhor as operações do Ibama. Não bastava ter a informação uma vez por ano, depois que o desmatamento ocorreu.

CC: Assim surgiu o Deter, certo?

CN: Exatamente. O sistema usa quatro satélites que permitem fazer alertas diários. Esse método tem uma margem de erro um pouco maior, na faixa de 10%, mas uma cobertura temporal muito mais vantajosa. Mostra áreas de desmatamento antes que o processo tenha sido finalizado. Tornou-se uma ferramenta essencial para as ações do Ibama, da Polícia Federal, dos órgãos ambientais estaduais. Sem o Deter, não seria possível reduzir o ritmo de desmatamento como vimos de lá para cá.

“O Inpe tem o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo”

CC: Em poucos anos, o Brasil diminuiu o desmatamento de florestas primárias. O que explica essa redução?

CN: Entre 2004 e 2012, houve uma redução de mais de 80% no ritmo do desmatamento, segundo o Prodes. Vários estudos indicam que esse avanço tem relação com a adoção de políticas públicas, entre elas o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, iniciado em 2004. Historicamente, entre 70% e 80% dos desmatamentos são ilegais, foram feitos em terras públicas, reservas indígenas, áreas protegidas. O Deter contribuiu muito para reduzir a devastação, porque é capaz de identificar um foco de desmatamento no meio da floresta e alertar as autoridades em tempo real. Ele passa a localização exata e a polícia é rapidamente deslocada, por vezes com helicópteros. Isso deu uma sinalização muito forte para o crime organizado, até porque o desmatamento tem muita relação com quadrilhas especializadas em grilagem de terras. O curioso é que a produção agropecuária da Amazônia continuou a crescer, enquanto o desmatamento despencou.

CC: Como foi possível? 

CN: Você pode aumentar muito a produção agropecuária com desmatamento zero. Existem 800 mil quilômetros quadrados desmatados, boa parte abandonada. Além disso, a produtividade, sobretudo na pecuária, é baixa na Amazônia, muito inferior ao potencial. Era só aperfeiçoar a técnica. Deu para reduzir a devastação sem impactos econômicos.

Da redação, com conteúdo da Carta Capital