Manifestantes levaram cartazes para pedir Justiça pelo garoto Miguel Otávio, que caiu de um dos prédios das Torres Gêmeas — Foto: Pedro Alves/G1
DA REDAÇÃO | G1
Manifestantes realizaram um ato público, nesta sexta-feira (5), no Centro do Recife, para pedir justiça para a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos. Ele caiu do 9º andar de um prédio na capital, na terça (2), depois que a mãe dele, a doméstica Mirtes Renata, o deixou aos cuidados da patroa, Sari Mariana Côrte Real, enquanto passeava com o cachorro da família. A empregadora foi presa por homicídio culposo, pagou fiança de R$ 20 mil e está respondendo em liberdade.
Cartaz lembra o fato de patroa da mãe de Miguel Otávio estar fazendo a unha quando o menino foi para o elevador, antes e cair do 9º andar — Foto: Antonio Coelho/TV Globo
O ato teve início por volta das 14h, no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), no bairro de Santo Antônio, no Centro. Esse prédio fica na frente do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo do estado. As vias da região foram interditadas pela polícia.
Usando máscaras por causa da pandemia do novo coronavírus, alguns manifestantes levavam faixas e cartazes com frases em alusão ao racismo.
Justiça por Miguel foi o tema do ´protesto realizado nesta sexta (5), no Recife, por causa da morte do menino que caiu do 9º andar de um prédio — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Negro, Miguel Otávio estava passando o dia com a mãe, enquanto ela trabalhava na casa do patrão, o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker. O município fica distante cerca de 110 quilômetros do Recife, no Litoral Sul do estado.
“Vidas Negras importam”, “Crime burguesia branca” e “Cinco unhas valem mais do que cinco anos de um preto” estampavam os cartazes.
Essa última frase é uma alusão ao fato de que Sari Côrte Real estava com uma manicure, fazendo as unhas, no apartamento, quando deixou Miguel entrar no elevador e apertou o botão do último andar, para que o menino fosse procurar a mãe.
"Vidas negras importam" é uma frase usada por movimentos em vários países, sobretudo, após o assassinato de George Floyd, em Mineápolis, nos Estados Unidos. Esse crime provocou uma série de atos e confrontos com a polícia naquele país.
Família de Miguel se reuniu, nesta sexta (5), na frente das Torres Gêmeas, onde Miguel Otávio, de 5 anos, caiu, na terça (2) — Foto: Pedro Alves/G1
Os manifestantes seguiram pela Rua do Imperador Dom Pedro II e foram em direção ao Condomínio Píer Maurício de Nassau, que fica cerca de um quilômetro distante do ponto inicial do ato.
Foi lá nesse conjunto, conhecido como "Torres Gêmeas" que Miguel caiu de uma altura de 35 metros, segundo a perícia feita na terça-feira.
Por volta das 14h, já havia pessoas na frente do edifício segurando rosas para serem colocadas no local do acidente. Um carro de vigilância privada também estava estacionado.
Coroas de flores foram deixadas na frente do prédio onde Miguel Otávio, de 5 anos, caiu, no Centro do Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
As "Torres Gêmeas" ficam na frente do 16 º batalhão da Polícia Militar de Pernambuco. Faixas prestas foram colocadas na fachada do prédio, simbolizando luto pela morte de Miguel Otávio.
Os manifestantes se ajoelharam em frente às "Torres Gêmeas" e gritaram, novamente, que “não foi um acidente”. Eles disseram que se ajoelharam em frente ao local onde ocorreu “um assassinato”.
Manifestantes demosntraram indignação com a morte do menino Miguel, que ficou sob os cuidados da patroa da mãe e caiu do 9º andar — Foto: Marlon Costa Pernambuco Press
O pai de Miguel, Paulo Silva, disse não conseguir sequer conceber o tamanho da dor de perder o filho. “Miguel era tudo na nossa vida. Eu espero nada mais que justiça. Sequer cheguei a conhecer a mulher que é responsável por tirar a vida do meu filho”, disse.
A avó de Miguel, a também empregada doméstica Marta Alves, se emocionou ao ver a presença de centenas de pessoas pedindo justiça pelo neto, em frente ao antigo local de trabalho.
“Eu creio que a justiça vai ser feita. Eu clamo por justiça. Eu fiquei muito emocionada ao chegar aqui e ver tanta gente. Ela vai ter que explicar por que Miguel foi para o elevador”, declarou.
Depoimentos
Uma das participantes do ato, Linda Ferreira, membro da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), disse que a morte de Miguel é resultado de uma estrutura racista que, desde os tempos do Brasil colonial, faz parte da sociedade.
“Os capitães-do-mato nos tiram o direito de ver crescer nossos filhos. Este ato é pela dor de cada mãe que enterrou seus filhos, é um grito contra a violência policial, contra a miséria que se volta para este país. Não temos políticas públicas que garantam a vida dos negros e negras no Brasil. Não estamos pedindo direitos, nós temos direito”, afirmou.
Em frente às "Torres Gêmeas", centenas de pessoas se reuniram gritando frases como “foi crime de racismo, não foi acidente” e “justiça para Miguel”.
Manifestantes mostraram cartazes com a frase "Vidas negras importam", que vem sendo usada em protestos em várias pares do mundo — Foto: Antonio Coelho/TV Globo
Os manifestantes também levaram faixas e cartazes. Uma delas dizia que faltou à patroa da mãe de Miguel “um pouquinho de paciência”, frase dita pela avó do menino, Marta Alves
Moradores do prédio se reuniram em dentro do prédio, com balões pretos e vestindo camisas da mesma cor. Eles ostentavam uma faixa com a hashtag #JustiçaPorMiguel, que desde a quinta-feira (4) acumula centenas de milhares de publicações nas redes sociais. Às 14h48, eles soltaram os balões em meio aos aplausos dos manifestantes.
Balões negros foram jogados de dentro das Torres Gêmeas, onde Miguel Otávio, de 5 anos, caiu na terça (2) — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Por volta das 15h45, manifestantes se deitaram no meio da rua, na frente das "Torres Gêmeas". Alguns estavam com o rosto voltado para o asfalto, como se fizesse orações. Coroas de flores foram deixadas na frente do prédio.
Manifestantes deitaram na rua, na frente do prédio onde Miguel Otávio caiu do 9º andar, durante protesto, nesta sexta (5)P, no Centro do Recife — Foto: Pedro Alves/G1
No fim do ato, por volta das 16h30, fabiana, uma das tias de Miguel Otávio, foi consolada por manifestantes. Ela se abaixou na frente das coroas de flores, colocadas na calçada do prédio, e fez orações.
Veja como ocorreu a morte da criança, segundo a polícia e relatos da mãe do garoto, Mirtes Renata Souza:
O momento da queda:
Tentativa de socorro
Mirtes contou em entrevista à TV Globo que chegou a ver o menino com vida, se esforçando para respirar, mas com os olhos imóveis.
O garoto foi levado pela mãe e a patroa, no carro de Sari, para o Hospital da Restauração. Um vizinho, médico, disse que ele precisava ser socorrido urgentemente, e mãe não esperou a chegada do Samu.
Segundo a mãe, ao chegar no hospital, o menino foi levado para uma maca, mas pouco depois ela foi informada de que ele não tinha sobrevivido.
Velório e e revolta da mãe
Mirtes disse que os patrões, Sari e Sérgio, foram ao velório de Miguel. "Ela foi no velório. Eu ainda não tinha visto [as imagens da câmera de segurança]. Cheguei ao velório, abracei os dois, Sari estava lá, o Serginho [também]. Minha mãe também abraçou, a gente não estava sabendo o que aconteceu", disse em entrevista ao programa "Encontro Com Fátima".
Mirtes disse que, após o velório, recebeu o vídeo das câmeras de segurança. Ela falou da revolta que sentiu ao ver a imagem do filho sozinho dentro do elevador. Em trecho do vídeo, Sari parece apertar um botão de um dos andares mais altos do prédio.
Segundo a doméstica, ela ligou para Sari perguntando o motivo de a patroa ter apertado o botão do elevador e ter deixado o garoto sozinho. "Aquilo me bateu, sei lá, uma raiva, uma angústia, eu liguei pra ela."
Segundo Mirtes, Sari afirmou que não apertou o botão do elevador e que provaria isso. Nas imagens da câmera de segurança, não é possível ver acender a luz do botão que parece ser o que Sari apertou. Em vez disso, acende a luz de outro botão, aparentemente o que foi apertado pelo menino Miguel.
Homicídio culposo e fiança de R$ 20 mil
A patroa da mãe do menino chegou a ser presa em flagrante na noite de terça-feira por suspeita de homicídio culposo, quando o crime não é considerado intencional. A polícia considerou que ela agiu com negligência.
A mulher pagou fiança de R$ 20 mil, foi solta e deverá responder pelo caso em liberdade.
Identidade da patroa revelada
No dia em que a criança morreu, a polícia não divulgou a identidade da patroa, que é uma pessoa pública por ser esposa do prefeito.
Primeira-dama Sari Corte Real - Foto: Redes sociais
Nesta quinta-feira, a mãe de Miguel revelou que os patrões são o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, e a mulher dele, a primeira-dama Sari Corte Real. O município fica no litoral sul pernambucano, a pouco mais de 100 quilômetros da capital, Recife. A família mantém residência nas duas cidades.
Inicialmente, Mirtes não quis falar com a imprensa. Ela mudou de ideia, no entanto, e revelou a identidade da patroa após ver as imagens de câmara de segurança que mostram Sari deixando o filho dela sozinho no elevador.
Mirtes e a mãe dela, que também trabalhava para a família de Sari, pediram demissão do trabalho.
Investigação
No dia da morte de Miguel, a polícia ouviu depoimento da mãe.
Também foram analisadas as imagens de câmera de segurança para que seja estabelecida a cronologia dos fatos.
Apesar da prisão de Sari, solta após o pagamento de fiança, ela deverá responder pelo caso em liberdade.
A polícia segue investigando o caso, e o inquérito, que deverá apontar eventual indiciamento, não havia sido concluído até esta sexta-feira (5).