Ecologizando consciências por Edvaldo Reinaldo

Edvaldo Reinaldo - 08 de June de 2017 (atualizado 12/Jun/2017 14h25)

Em artigo, especialista em agroecologia da Bahiater faz um breve histórico da prática agrícola e aponta caminhos para nortear a produção agrícola na Bahia em preceitos agroecológicos.

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Foto: Edvaldo e o agricultor Marcelino Neves (Neto), em colheita de cenouras agroecólogicas na comunidade de Pedra Lisa, município de Ibititá (Arquivo pessoal)

Por Edvaldo dos Santos Reinaldo Filho**

Historiadores apontam que a agricultura surgiu há aproximadamente 10.000 anos, em margens de rios, riachos e vales, onde habitavam civilizações antigas de diversas regiões do mundo, como na Mesopotâmia às margens dos rios Tigre e Eufrates, no Egito próximo ao rio Nilo, na China, Índia e América Central. Na Mesopotâmia, a principal dificuldade para prática da agricultura era a falta de chuvas. Ocorriam chuvas só no inverno. Para superar esses problemas, os mesopotâmicos criaram técnicas de irrigação utilizando as águas dos rios Tigre e Eufrates.

Dez mil anos se passaram e o mundo sofreu intensas mudanças tecnológicas, com transformações nas atividades agrícolas, com grandes modificações no modelo de produção e nas relações de trabalho. A agricultura, que começou como o meio de vida dos camponeses, virou atividade direcionada para a produção comercial e industrial.

Existe hoje o discurso de que a “modernização da agricultura” é fundamental e necessária para gerar crescimento econômico. Por conta dele, e sob o pretexto de “suprir a necessidade de alimentos para humanidade”, surgiram as justificativas para o uso de agrotóxicos, transgênicos e outros inúmeros insumos danosos, cujo objetivo é apenas o aumento da produtividade e do lucro, sem considerar os rastros de destruição e tampouco a qualidade do produto e a vida.

Entretanto, há mais de 20 anos a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) já afirmava que "o problema não é a falta de alimentos, mas a falta de vontade política".  Hoje, sabe-se que o verdadeiro problema da fome é a falta de distribuição de renda. É o fato de que 1% da população do mundo concentra mais riqueza que o somatório de 99% do resto da população mundial.

Enquanto isso, os impactos negativos da atividade do homem sobre o planeta, especialmente sobre o Brasil, estão comprometendo a qualidade do ar, da água, do solo e dos biomas, isso sem falar da saúde humana. Detentor do triste título do maior mercado mundial de agrotóxicos, nosso país bate recordes de contaminação, com o uso de agrotóxicos, alguns não autorizados pela ANVISA e, ainda por cima, muitas vezes aplicados em níveis muito acima do que é “supostamente permitido”. Desde 2008 o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo.

Neste cenário, a verdadeira e necessária modernização da agricultura decorre do desenvolvimento de métodos de produção de alimentos saudáveis e ecológicos, que sejam capazes de canalizar conhecimentos novos e antigos para gerar sistemas sustentáveis de agricultura. Essa modernização é justamente a prática de agriculturas baseadas nos princípios da agroecologia, com o uso da matéria orgânica, compostagens, biofertilizantes e “inseticidas” naturais biodegradáveis, oriundos de plantas.

Na visão agroecológica, há uma compreensão de que todas as espécies de vidas presentes durante o desenvolvimento e ciclos da agricultura ou na natureza, têm importância. Os vegetais, animais, os solos, os minerais, a água, a luz do sol, as constelações, a lua, os microrganismos e todas as formas de vida da natureza, conspiram para a evolução humana e para a produção agrícola com alimentos saudáveis.

A Agroecologia vem se estabelecendo como ciência de um novo modelo de desenvolvimento rural. Como afirma Francisco Roberto Caporal, é uma Ciência integradora, holística, com capacidade de apreender e aplicar conhecimentos gerados em diferentes disciplinas científicas. A agroecologia é o principal enfoque científico, quando o objetivo é a transição de atuais padrões de desenvolvimento rural de agricultura insustentável com poluição ambiental, para modelo de desenvolvimento rural e de agricultura sustentável, com preservação ambiental. 

A Agroecologia reconhece e valoriza também os saberes, conhecimentos e experiências dos agricultores(as), dos povos indígenas, dos povos da floresta, dos pescadores(as), das comunidades quilombolas, bem como dos seguimentos sociais envolvidos em processos de desenvolvimento rural, que tem como diferencial a relação de respeito com a natureza.

Trazendo essa realidade para o Território de Irecê, os mecanismos convencionais de agricultura comprometeram grande parte da Caatinga. Muitos poços estão secando, muitas áreas com solos compactados, erodidos e em alguns lugares estão contaminados com agroquímicos. Originalmente os solos do Território de Irecê são de excelente fertilidade com grande potencial produtivo. Precisamos zelar por esse grande patrimônio.

É importante evidenciar que, para o bom desenvolvimento da agricultura, o bioma é peça fundamental. A Caatinga regula a temperatura e os ventos, capta água da chuva para os reservatórios subterrâneos e é fonte de insetos polinizadores das lavouras e de predadores das chamadas “pragas”, além de ser fonte de alimento para os animais silvestres, que também merecem viver.

Felizmente, o trabalho de formiguinha de todos que abraçam a agroecologia vem surtindo efeito. Já existe na região   produtores praticando   agricultura agroecológica e que buscam a sustentabilidade. Essa consciência tem se estendido inclusive para   consumidores, que cada vez mais buscam o verdadeiro alimento. Muitos desses agricultores   participaram de capacitações e orientações técnicas da antiga EBDA e da atual BAHIATER.

Um grupo de agricultores organizados e certificados vêm praticando agricultura agroecológica e comercializando seus produtos em Feiras Orgânicas nos municípios de Irecê, Central, São Gabriel, João Dourado e Barro Alto. Esses agricultores fazem parte do Núcleo Raízes do Sertão que, por sua vez, faz parte da OPAC Rede Povos da Mata (OPAC – Organização Participativa de Avaliação da Conformidade), uma articulação entre produtores da agricultura familiar, agricultores assentados da reforma agrária, indígenas, quilombolas, agricultores em geral e consumidores-coprodutores.

A OPAC Rede Povos da Mata foi a primeira organização do estado da Bahia, credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a emitir certificado e selo orgânico desde agosto de 2016.

O Banco do Nordeste já vem sinalizando apoio aos agricultores orgânicos do Território, com financiamentos da produção agroecológica, através da parceria com a BAHIATER, onde são elaborados os projetos e é feita a assistência técnica agroecológica.

Além disso, foi elaborado um projeto pela UNEB, campus XVI, com participação da BAHIATER para criação do curso de nível superior - Bacharelado em Agroecologia - para atender demanda do Território de Irecê. O projeto foi apresentado em audiência pública ouvindo várias opiniões das pessoas presentes, para finalização e consolidação do mesmo. O projeto encontra-se em tramitação e será encaminhado ao CONSU (Conselho Superior Universitário) para ser votado. Caso seja aprovado, será necessário que o Estado amplie o número de vagas de professores da UNEB para viabilização do curso.

Foi construída também, coletivamente, a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica – PEAPO, com representantes de entidades governamentais, não governamentais, representantes da sociedade civil organizada, povos tradicionais, técnicos e produtores, dentre outros, que defendem a agricultura de base ecológica. Essa lei, objetiva promover a transição agroecológica e a produção orgânica, orientando o desenvolvimento sustentável, com preservação dos bens naturais, a qualidade de vida das populações e a oferta de alimentos saudáveis, com preços justos.

Por tudo isso, eu acredito em um futuro promissor para o desenvolvimento da agricultura agroecológica, com sustentabilidade no Território de Irecê e na Bahia. O objetivo não é só produzir alimentos saudáveis, preservando a biodiversidade e os bens naturais, mas também criar uma consciência ecológica da população, elevar o nível de autonomia dos agricultores, gerar emprego, renda e, consequentemente, a redução do êxodo rural.

*Edvaldo é engenheiro agrônomo especializado em agroecologia e atua pela Superintendência Bahiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater/SDR)

NOTA DO EDITOR: O termo "ecologizando", presente no título deste artigo, vem de ecologizar, uma expressão proposta pelo arquiteto e ambientalista brasileiro Maurício Andrés Ribeiro no seu livro "Ecologizar, pensando o ambiente humano" publicado em 1998 e republicado como uma trilogia em 2009. Esta expressão não consta na maioria dos dicionários, inclusive o popular Aurélio, mas já existe no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, mais conhecido como Dicionário Aulete. Nele, o termo é definido como “Conscientizar para a importância dos princípios ecológicos”. Tal definição ressalta o aspecto da consciência, mas não o de sua aplicação prática.