Enterramos viva a educação pública: sem perceber, eu fui cúmplice deste pecado.
Pequei, eu confesso. Em minha defesa só tenho a dizer que vocês que leram o meu ensaio anterior, o Escrever sem dor, mas não se escandalizaram nem censuraram a minha infâmia são tão culpados quanto eu.
Examinemos as nossas consciências. Gabei-me, na ocasião mencionada, de possuir o “dom” da escrita. Modéstia porca, orgulho farto, pecados veniais. A ofensa imperdoável se deu quando disparatei um “Julgo ser uma criatura privilegiada, afinal, minha educação foi toda em escola pública. Devo ser portadora de um dom, e serei sempre grata por ele.” Notem, não lamento a pieguice do trecho, mas sim a construção ambígua que resultou na sinuca de bico: “ela foi privilegiada por estudar em escola pública ou por APESAR de fazê-lo desenvolver o dom da escrita?”
É aí que ela, aliás, eu, serpente do Éden que sou, induzi alguns a concordarem, “sim, é um milagre essa sobrevivente da escola pública conseguir escrever com decência”, ou ainda, “só uns poucos iluminados nascem com o dom de escrever, os demais que copiem e colem”. Perdoai-me, senhor, pois o meu mau exemplo corrompe o teu rebanho.
É fácil atribuir as próprias limitações a agentes externos ou a outrem. Antes de jogar pedra na Escola Pública, pergunte-se quantos livros você comprou para o seu filho desde que ele ingressou em uma? Quantas vezes você leu para ele enquanto ele crescia? E você, aluno, quantas horas por dia você passa estudando?
Eu não aprendi a escrever da noite para o dia: teve muita leitura, treino, rascunho. A prática melhorou o meu desempenho e a teoria também. Mas o que melhor contribuiu para meu desempenho acadêmico foi o incentivo de minha mãe e as metas que me impus: a leitura e a escrita seriamo meu passaporte para uma profissão. O saber lá em casa não era perda de tempo, não ficava para depois, era a obrigação principal, questão de sobrevivência.
A escola pública não é o problema em si, mas é para onde convergem os conflitos da sociedade. Lá há pessoas de todas as procedências, muitas das quais não enxergam futuro em se estudar. Lá também é o local onde todas as medidas de austeridade atingem, do aumento de imposto aos cortes orçamentários. É para a sociedade que educamos os jovens, uma sociedade que está doente e adoece nossos estudantes e professores.
A escola pública está doente, mas ela não está morta. Foi nela que aprendi tudo o que sei, nela ensino tudo o que sei, dela tiro o meu sustento e com o que aprenderem lá meus alunos enfrentarão o mundo.
Ana Paula de Castro é professora de português na rede estadual de ensino, especialista em literatura brasileira e escritora nas horas vagas