Os nomes dos pais por Alan Machado

Alan Machado - 15 de November de 2015 (atualizado 29/Mar/2017 15h56)

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Por Alan Oliveira Machado*

Outro dia alguém me perguntou porque temos em Uibaí a mania de atribuir nome de pai ou mãe ao fazer a identificação das pessoas.  É verdade, comumente recorremos a esse recurso para nos referirmos uns aos outros: Rui de Edmundo, Lucinha de Dominguinhos, Reis de Tereza, Serjão de Narzi, Paulo de Nita, Cláudia de Amirtão, Luisinho de Sindá...  Coisa de cidadezinha pequena do interior? Fiquei pensando que esse jeito cheio de intimidade, quase caseiro tem origem ancestral na vida tribal e de clã. O clã é um grupo de famílias reunidas em torno de um ancestral comum. A linhagem dos descendentes pode ser determinada pelo nome do pai ou pelo da mãe.  Quando é por parte do pai chamamos de patrilinear e por parte da mãe, matrilinear.  Juntar o nome do pai ou da mãe ao nome da pessoa referida, parece que no início era, antes de tudo, situar a posição social dela dentro do clã, localizando-a dentro de uma das famílias. Hoje, esse costume parece mais um recurso de identificação apenas e que varia de patronímico para matronímico indiferentemente, sem muito valor hierárquico.Nas famílias mais antigas de Uibaí podemos encontrar resquícios de linhagem patrilinear. Nesse caso, apenas os homens representam a linhagem. Assim, no lugar do sobrenome da mãe, os filhos homens recebem o nome próprio do pai seguido do sobrenome dele, exemplo: João Agnelo Machado, ou seja, João filho de Agnelo Machado. No caso da família de Agnelo Pereira Machado e de Florentina Rocha Machado, o homem determina a linhagem. Assim todos os homens repetem o nome do pai: João, Edmundo Agnelo Machado, Dermival Agnelo Machado etc . O mesmo podemos ver em gerações mais novas como os filhos de Domingos Machado: Renato Domingos Machado, José Domingos Machado etc.

Essa prática ainda é muito comum em culturas europeias. Na Irlanda, John Peterson é nada mais que João, filho de Peter,  Robert Mendelson, Roberto, filho de Mendel, porque a terminação son é filho em inglês.  E lá os sobrenomes englobam também as profissões que eram tradição na família. Então, na Alemanha antiga, as famílias que tinham como ancestral ou chefe da linhagem um homem cuja profissão era cuidar de fazendas, recebiam o nome Hoffman, que significa homem da fazenda. Michael Schumacher seria para nós Miguel Sapateiro.

 Em nações onde o sentido de clã foi muito determinante como na Escócia e na Rússia, os patronímicos são comuns também. Quando, por exemplo, lemos o seguinte nome russo completo: Ivan Iakóvlievitch Romanov, podemos traduzir como Ivan, filho de Jacó Romanov porque Iakóvli é correspondente a Jacó em português e evitch significa “filho de” formando então a expressão “filho de Jacó Romanov”. Na literatura russa temos muitos exemplos dos patronímicos. Em “O capote”, de Nicolai Gógol, por exemplo, a personagem principal, Akak, é também chamada de Akak Akakiévitch, ou seja, Akak filho de Akak.

Claro que os uibaienses não pensam mais nessa lógica patriarcal quando usam nomes de pais ou mães para identificar alguém. O costume pode ter chegado com a cultura patriarcal quiçá proveniente das memórias tribais e de clã, mas funciona mais como identificação comum mesmo. E pelo visto hoje em dia usa-se mais o nome da mãe para a identificação do que o do pai. Isso indica que aquilo que talvez tenha começado por uma questão machista de poder dos homens sobre as mulheres e sobre as famílias não funciona mais, felizmente.

*Alan é professor de Letras na Universidade Federal de Goiás (UFG).